segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Da Folha: Super condomínios e a noção de cidade

Oi !
Envio abaixo uma reportagem que saiu na Folha de SP hoje sobre um condomínio de super luxo em SP. As reportagens já indicam algumas questões que devem ser super interessantes para a antropologia da cidade.
Beijos

Daqui ninguém me tira
Moradores do condomínio Parque Cidade Jardim (zona sul), com apartamentos de até R$ 20 milhões, não precisam sair do complexo para ir a cabeleireiro, academia ou restaurantes e, contra as críticas de isolamento, dizem que o importante é a comodidade 

ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO 

Usar o elevador para ir à academia, ao cabeleireiro, ao veterinário e até ao restaurante preferido é a rotina de 70 famílias em São Paulo. Elas vivem em uma "minicidade dos sonhos" em plena marginal Pinheiros.
São moradores do Parque Cidade Jardim, condomínio acoplado ao shopping de alto luxo, de mesmo nome, na zona sul da capital paulista.
"Não dá para calcular o tempo que deixei de perder no trânsito", diz Deborah Quintella, 38, uma das primeiras a se mudar para uma das nove torres residenciais.
Desde então, a empresária deixou de ser "mãetorista" ao matricular os filhos Pietra, 2, Caio, 4, e Luca, 7, em aulas de circo, balé, natação e judô na academia do shopping. Pegam dois elevadores e caminham cinco minutos, mesmo tempo para ir ao cinema.
Antes, é preciso passar por procedimentos de controle -segurança virou paranoia desde os assaltos a duas joalherias entre maio e junho.
"Foi um baque", reconhece Luciano Amaral, diretor da JHSF Incorporações e síndico do condomínio.
Foram realizadas 14 assembleias para discutir um novo sistema de segurança, desenhado por uma consultoria inglesa. "Não vai ter igual no Brasil", alardeia o síndico. Ele precisa tranquilizar uma turma que paga até R$ 7.500 de condomínio.

ANTICIDADE
Comodidade e segurança são os pilares desse novo conceito de morar. O complexo Cidade Jardim alia em um mesmo espaço moradia, lazer, consumo e trabalho.
O megacondomínio é bombardeado por urbanistas. "Vai de encontro ao conceito de cidade, que é aberta a todos e serve como ponto de circulação e de encontro", critica Maria Lúcia Refinetti, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Para a urbanista, o Cidade Jardim é a "anticidade": "É fechado em si mesmo, privilegiando o convívio entre iguais e o consumo".
As críticas não ecoam entre os moradores. "Eu não vivo na bolha", diz o engenheiro Ernesto Filho, 32, que se mudou há um mês. Já a empresária Susana Pires, 58, trocou o Morumbi pelo complexo há seis meses e quer circunscrever sua vida cada vez mais ao complexo.
"Só vejo vantagem em viver aqui. A bateria do meu carro chegou a descarregar. Faço tudo a pé", diz. Ela ficou mais de 30 dias sem tirar o veículo da garagem.
Até trocou de cabeleireiro, depois de 20 anos. "Vou ao shopping três vezes por dia. Faço cabelo, passo no sapateiro e na lavanderia e compro presente de última hora."
A médio prazo, ela quer ter um escritório em uma das torres comerciais, que começam a ser entregues em 2011. Seu endocrinologista inaugura em breve uma clínica no spa do Cidade Jardim.
As colegas de escola de Juliana, 16, adoram visitar a casa da amiga, tendo como "quintal" corredores arborizados onde se perfilam vitrines de grifes como Hermès, Chanel, Louis Vuitton.
Com suas bolsas Tod's (R$ 3.800), Burberry (R$ 2.200) e Chanel (R$ 12 mil) em uma cadeira, as três fazem o lanche da tarde na Lanchonete da Cidade (R$ 118).
"Tenho cartão de crédito para pequenas despesas, mas para comprar mesmo só com autorização da minha mãe", conta a adolescente.

R$ 20 MILHÕES
A população no condomínio vive em um dos metros quadrados mais caros da cidade. A cobertura custa R$ 20 milhões. O apartamento mais barato, R$ 2,5 milhões.
Tudo ali é voltado para o público AAA. "Todo dia inventam uma novidade. Agora no hall temos um concièrge 24 horas para pedir uma pizza, um táxi. É um exagero", diz Deborah Quintella.
A empresária diverte-se ao contar que também pecou pelo exagero na festinha de aniversário do filho, inspirada em "Piratas do Caribe".
Levou bronca pela réplica gigante de um navio que recepcionou os convidados.
Novos serviços cinco estrelas estão em implantação. Acaba de ser inserido o "capitão porteiro" em duas torres -onde os moradores toparam pagar a mais para ter empregado na garagem para descarregar sacolas e malas.
Também é cotizado pelos condôminos uma van para levar os serviçais até o ponto de ônibus. "Eles tinham de andar muito", diz o síndico.
Outro ganho, enfatiza ele, é o empório recém-inagurado. "Faltava um lugar para comprar umas coisinhas", afirma, referindo-se a artigos de alta gastronomia.
Apesar dos requintes, moradores reclamam que foram esquecidos dois itens nos 72 mil² do complexo: padaria e campinho de futebol.

ANÁLISE 

Vida em único espaço atrapalha sociabilização das pessoas

ANA MERCÊS BAHIA BOCK
ESPECIAL PARA A FOLHA 

Viver em um espaço restrito tem sido uma preocupação importante para a psicologia, pois estudos têm demonstrado que há um empobrecimento psicológico e social quando a vida toda cabe em um espaço delimitado.
Seja ele um condomínio, um manicômio ou uma prisão.
Parte-se da ideia de que o desenvolvimento psíquico se dá na vida cotidiana.
As experiências do dia a dia, as relações sociais e o contato com a cultura de nosso tempo nos permitem um triplo processo:
De humanização (nos tornamos humanos à imagem e semelhança dos humanos adultos de nosso tempo), nos socializamos (nos apropriamos das especificidades da cultura de nosso lugar) e nos individualizamos (nos singularizamos).
Quanto mais rico é todo esse processo, melhores são os resultados em termos de desenvolvimento pessoal e coletivo.
A juventude é um momento rico, pois os sujeitos estão abertos ao novo, exatamente porque estão em busca da identidade adulta.
Querem conhecer, experimentar, testar, vivenciar na busca da construção de seus gostos, preferências, hábitos.
As metrópoles e seu cotidiano violento restringem o espaço da cidade, e os jovens têm sido as maiores vítimas desse processo.
Sejam aqueles que ficam presos nos condomínios e shoppings "seguros"; sejam os que não podem ultrapassar as linhas de entrada destes lugares. Todos perdem.
A restrição dos espaços pode ainda obrigar os jovens a uma mesma atividade, que se torna hábito e que repete uma mesmice empobrecida.
Por exemplo, consumir artigos supérfluos e consumir sem parar, sem que a necessidade se veja em algum momento satisfeita.


ANA MERCÊS BAHIA BOCK , 58, é psicóloga, professora de psicologia social e da educação na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), membro do Instituto Silvia Lane de Psicologia e Compromisso Social. Foi presidente do Conselho Federal de Psicologia e é autora de vários livros.


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