domingo, 31 de outubro de 2010

Entrevista com Iatã Cannabrava

coloco uma entrevista que saiu na carta capital e deve interessar:


Por uma fotografia sem sofrimento

O fotógrafo Iatã Cannabrava, organizador dos principais festivais fotográficos do Brasil, discute o processo de valorização da fotografia após a digitalização e democratização da produção da imagem
Iatã Cannabrava há mais de vinte anos trabalha com fotografia. Especializou-se na documentação dos traços arquitetônicos das grandes cidades do mundo. Porém, tem como maior êxito profissional, e pessoal, a profusão da fotografia pelo seu fazer cultural. Nos últimas anos, Cannabrava organizou workshosps (De Olhos nos Mananciais), festivais (Paraty em Foco) e encontros (Fórum Latinoamericano de Fotografia) de fotografia com enorme sucesso.
2o Fórum Latinoamericano, encerrado no domingo 24 em São Paulo, contou com a presença de grandes fotógrafos brasileiros e de países de origem latina como a americana radicada no Brasil Cláudia Andujar e o catalão Joan Fontcuberta. O evento contribuiu para a ampliação da rede de comunicadores da fotografia, além de explorar cada vez mais o que Cannabrava chama de "mudança das fronteiras fotográficas" por meio da realização de vídeos pelo coletivo fotográfico Garapa.
Recentemente decidiu dar um passe adiante e formar a Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil. A Rede tem o objetivo de unir e representar as centenas de fotógrafos, e realizadores fotográficos, envolvidos em seu fazer cultural.
Na entrevista, o fotógrafo exalta o caráter cada vez mais democrático de comunicação que a fotografia assumiu após sua digitalização. E garante que não há o que temer nesse processo, muito pelo contrário, temos que abraçá-lo.
CartaCapital: Como tem sido organizar eventos de grande porte que tratam exclusivamente de fotografia como o Paraty em Foco, De Olho nos Mananciais e o Fórum Latino Americano de Fotografia?
IC: Nós temos que tirar a fotografia do pedestal. Não é a fotografia, são as fotografias. Não é o mercado fotográficos, são os mercados fotográficos. Dentro desse mercado fotográfico tem um setor que é o setor cultural da fotografia. É o fazer cultural pela fotografia. Por exemplo, no De Olho nos Mananciais, mais do que um projeto de fotografia é um projeto de conscientização social e ambiental através da fotografia. No meu caso é o fazer cultural ligado à fotografia. No Brasil esse mercado tem crescido bastante, assim como o movimento cultural no País como um todo.
CC: Por que o mercado para esse tipo de evento cresceu nos últimos anos?
IC: Existe um "bum" no cenário mundial da fotografia em vários setores. No mercado de arte existe um crescimento. Existe uma crise no fotojornalismo, assim como na fotografia publicitária, mas existe um "bum" mesmo na fotografia como instrumento de comunicação de massa. Aquilo que há muitos anos atrás era para poucos, porque para ser um fotógrafo precisava estudar, hoje qualquer um com qualquer câmera na mão participa desse processo de fazer imagens. Todo mundo fotografa com celulares, com essas camerazinhas, enfim, existe uma série de dispositivos que inclusive já fazem pequenos vídeos. Ou seja, há uma possibilidade tecnológica não só de produzir fotografia, mas como de difundir a fotografia. Você pode se comunicar com um amigo em Pequim mandando uma foto pelo celular. Isso abre o mercado para eventos, encontros, seminários, simpósios, sites. O portal do Fórum Latinoamericano de Fotografia bombou. O blog do Paraty em Foco tem trinta mil visitas por mês, o que para um site de fotografia é muito.
CC: Passada a crise da digitalização da fotografia, você acha que hoje vivemos num mundo pós-digital?
IC: Eu diria que essa fase de crise ainda não foi superada. Vivemos hoje uma fase de experimentação. Eu não saberia dizer qual é o futuro exato. Mas existe uma consciência de quem não se conecta está fora do jogo. A produção da imagem não vai mudar muito, mas a difusão da imagem vai por um caminho diferente. Cada vez mais a rede vai ser instrumento de circulação de informação, principalmente via imagem.
CC: Você acredita que houve uma banalização da fotografia?
IC: Vai continuar tendo os grandes fotógrafos e os caras que simplesmente escrevem recados. Do mesmo jeito que a escrita é bastante universal. Tem uns que escrevem melhor do que outros, com uma escrita mais delicada, com mais possibilidades, intuitiva, agressiva… Eu acho que a fotografia vai pelo mesmo caminho. Vai continuar tendo os fotógrafos bem apurados assim como gente produzido de forma corriqueira. Não temos que temer esse movimento. Ele veio para ficar. Nunca foi tão democrático o processo de produção de uma imagem.
CC: A nova geração de fotógrafos, que aprende o ofício no processo digital, perde em formação em relação aos que aprenderam pelo processo analógico?
IC: Eu não acredito. Se perde muito na formação pela má qualidade da escola e pela má qualidade do ensino em geral. Eu acredito que seja no processo digital ou no analógico, o indivíduo que é sério, entender o que está fazendo, pode fazer no digital, no analógico ou num terceiro sistema que venha a surgir amanhã ou depois.
CC: Essa má escola é a responsável por cair o nível da fotografia profissional, como o da fotografia editorial, publicitária e jornalística?
IC: A má formação atinge desde o cara que coloca tijolos até o fotógrafo. Existe uma gigante falta de mão de obra qualificada para tijolos e trabalho profissional na área fotográfica. O ensino vem vivendo uma crise muito grande no Brasil, é a grande crise do nosso país. Eu tenho muita dificuldade para contratar gente para os nossos projetos. Tem gente que não sabe fazer uma regra de três, fazer uma planilha no Excel para organizar projeto cultural. É mais fácil achar gente que saiba mexer no Photoshop. O problema maior é de matemática do que de fotografia para trabalhar na equipe. As pessoas tem dificuldade para escrever um projeto para as leis de incentivo. É uma deficiência na formação do indivíduo e isso atinge todas as camadas.
CC: A maior parte da Bienal deste ano é fotográfica. Isso é um reflexo da valorização da fotografia como arte?
IC: Não exatamente. O que existe é a fotografia como suporte. Vamos dividir porque é uma coisa muito complexa. Tem aquele que tem uma formação no mundo das artes e aqueles que tem uma formação no mundo da fotografia. Esses dois grupos podem produzir fotografias como produtos final e estarem, ou não, numa Bienal. Acho que essa Bienal tem muita gente que vem do mundo das artes e que usa o suporte fotografia para finalizar suas obras. Isso não é exatamente o mundo da fotografia que atinge a Bienal. A fotografia é um campo muito mais amplo do que as artes visuais. A fotografia é ciência, comunicação, fotojornalismo, documentário. O que existe é um avanço para a fotografia ser aceita no meio da arte e existe o meio da arte adquirir o suporte fotográfico para finalizar suas obras.
CC: O que você acha dos coletivos fotográficos como a Cia da Foto e o Garapa? Esse movimento acaba com o autor fotográfico?
IC: Primeiro eu acho que o coletivo não destrói a questão do autor, apenas muda os paradigmas que tínhamos. Na verdade, na configuração digital da fotografia a produção é muito coletiva. Um tem a ideia, o outro clica o botão, o outro trabalha no photoshop. Já era assim na época do laboratório. Tinham alguns fotógrafos que davam crédito para o laboratorialista, porque ele transformava a foto. Era uma obra em conjunto. Contudo, a questão não é essa. O estatuto do autor faz tem tempo que tem que mudar. A autoria de uma obra não é mais importante que a obra. Não pode ser a maior referência do artista ter a sua assinatura do lado da obra. Eu acho que o estatuto do autor tem que ser mais flexível. Estatuto eu digo com um sentido mais poético e menos literal. Ou seja, o artista tem que se pautar por critérios flexíveis. Tem horas que não interessa fazer uma obra que é tua. Tem hora que o que te interessa é fazer uma obra coletiva, para a criação ter mais liberdade. Tanto do ponto de vista legal como do ponto de vista subjetivo, de creditação moral, esse estatuto sobre autoria vai passar por grandes transformações. Na internet tem fotógrafo que coloca um pseudônimo.
CC: O que é essa Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil?
IC: Percebemos que tem muita gente trabalhando nesse fazer cultural da fotografia. Os donos de pequenas escolas de fotografia, os donos de galeria, os coordenadores de projetos sociais com a fotografia… Nós temos no Brasil hoje treze festivais de fotografia, que congregam debates, workshops, palestras, atividades especiais. Nós percebemos no Paraty em Foco de 2009 que tinha muito pequeno produtor, pequeno agitador, pequeno realizador de atividade cultural com a fotografia e nós resolvemos convocar todo mundo para reunir o setor. Pela primeira vez surgiu uma associação forte, mais forte inclusive do que associações que existiram anteriormente. Fundamos oficialmente a Rede esse ano em Brasília com 150 realizadores de 19 estados de todas as regiões do País.
CC: Uma pergunta tola, mas importante para o momento da fotografia: como você enxerga o futuro da fotografia?
IC: Eu vou usar uma definição que não é minha, é do peruano Jorge Villacorta, surgida no Fórum Latinoamericano de Fotografia, em que ele disse que caminhamos para uma fotografia sem sofrimento. Aquela fotografia dos anos 1960, 70, 80 e 90, que é uma fotografia politizada, que mostra o sofrimento e serve como denúncia social, mas com pouco resultado. O mundo não ficou melhor como queriam esses fotógrafos. Então prevemos uma era de fotografia sem sofrimento. Uma fotografia bastante flexível em suas denominações. Um campo fotográfico onde não são 100% definidas as fronteiras, misturando-se com as artes plásticas, vídeo, cinema… Também uma fotografia com grande preocupação nos arquivos, reciclando o que já foi feito. Esse pode ser o grande movimento fotográfico por vir no futuro. É até o título de uma exposição na Suíça: "A revanche do arquivo fotográfico" Este foi basicamente o resultado do Fórum.
CC: Quais outras reflexões positivas obtidas pelo Fórum?
IC: O principal resultado no Fórum não são essas questões em si, mas as redes que se fortalecem e que se formam. A rede a qual me refiro não se manifesta na internet. A verdadeira rede é a de contatos humanos. Editores começam a fazer contato entre si, conversando em inglês, português, espanhol, francês. Curadores conhecem novos artistas. Jovens fotógrafos aparecem nesses festivais. Essa circulação de contatos, ampliação da rede presencial e virtual, a posteriore, é a grande conquista do Fórum.

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